sábado, 8 de outubro de 2011

Meu muro ..

Totalmente inerte, vencida pelo cansaço, era assim que me sentia, fora os pesadelos que me tiravam o sono me fazendo ficar acordada até tarde. Caminhei pela casa e me assentei na escada da varanda e me pus a contemplar as estrelas, a lua estava fora do meu campo de visão. Peguei o isqueiro, acendi o cigarro, traguei, tossi. Uma alma pesada num corpo leve. Muitos pensamentos guardados num local pequeno demais. Assim como livros encurralados numa pequena estante, amassagados, sem vida, esperando uma brecha para se libertarem. Escorpianas passam sua vida tentando entender as mentes alheias, li outro dia, não me lembro aonde. Quem se importa se tento ou não decifrar o que se passa na cabeça dos outros? Pois digo que poderiam me dar milhares de vidas que não conseguiria. Eu não penso igual a eles, eles sequer imaginam o que se passa na minha mente. E isso é tudo. Quem sabe não é melhor assim? Vou continuar com meu muro, comigo de um lado, e eles do outro. Não quero perto o que não entendo. Já me fizeram tanto mal um dia. Mas não sou de guardar rancor, tento tanto ser sempre a mais compreensível, aquela que guarda as dores para si e alivia os erros dos outros, tento. Obrigo-me a ser por vezes, por poucas vezes aquela que veta. Aquela que cansa, aquela que escreve um ponto final. Não sou do fim. Eu crio laços, eu gosto, eu amo tão profundamente que não sei medir perdões. Tudo parece valer um sacrifício maior do que seria possível. Tudo parece ser feito para esquecer. E eu mais pareço uma manteiga derretida diante daqueles que deveria sentir ódio ou raiva. Não consigo. Mas também não devo mais me juntar a eles, por isso o muro. Eu não quero mais me sentir como se estivesse sempre errada, por mais que achasse estar fazendo o correto, mas o correto não é bem visto nos olhos deles. Então para mim não serve. Eu não queria ser tão sensível, não queria entender as entrelinhas, mas Deus me fez diferente, e me julgam ser estranha. Dói, mas a dor é um sentimento que insiste em passar. E passa.



Por Thamara Venâncio.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Tempestade de almas ..

Diga-me por favor que horas são para eu saber que estou vivendo nesta hora.


Nada mais tenho a ver com a validez das coisas. Estou liberta ou perdida. Vou-lhes contar um segredo: a vida é mortal. Nós mantemos esse segredo em mutismo cada um diante de si mesmo porque convém, senão seria tornar cada instante mortal.

Mas se não compreendo o que escrevo a culpa não é minha. Tenho que falar pois falar salva. Mas não tenho uma só palavra a dizer. As palavras já ditas me amordaçaram a boca.

Hoje é dia de muita estrela no céu, pelo menos assim promete esta tarde triste que uma palavra humana salvaria.

Abro bem os olhos, e não adianta: apenas vejo. Mas o segredo, este não vejo nem sinto. O futuro é meu enquanto eu viver. No futuro vai ter mais tempo de viver, e, de cambulhada escrever. Eu não escrevo cartas pra você porque só sei ser íntima. Aliás eu só sei em todas as circunstâncias ser íntima: por isso sou mais uma calada. Tudo o que nunca se fez, far-se-á um dia?

Vejo as flores na jarra: são flores do campo, nascidas sem se plantar, são lindas e amarelas. Mas minha cozinheira disse: mas que flores feias. Só porque é difícil compreender e amar o que é espontâneo e franciscano. Entender o difícil não é vantagem, mas amar o que é fácil de se amar é uma grande subida na escala humana. Quantas mentiras sou obrigada a dar. Mas comigo mesma é que eu queria não ser obrigada a mentir. Senão, o que me resta?

O monstro sagrado morreu: em seu lugar nasceu uma menina que era sozinha. Bem sei que terei de parar, não por causa de falta de palavras, mas porque essas coisas, e sobretudo as que eu só pensei e não escrevi, não se usam publicar em jornais.




Por Clarice Lispector.