sábado, 20 de novembro de 2010

"... bem o conheço. num espelho de bar, numa vitrina, ao acaso do footing, em qualquer vidraça por aí, trocamos às vezes um súbito e inquietante olhar. não, isto não pode continuar assim.
que tens tu de espionar-me? que me censuras, fantasma? que tens a ver com os meus bares, com os meus cigarros, com os meus delírios ambulatórios, com tudo o que não faço na vida!?"


M.Q.
.

A espreita

"Não dou chance
ao fortuito fantasma
que me acompanha
(e que sou eu mesmo).
Vive a me espionar.
Espera o momento
em que eu baixe a guarda.
Pensa descobrir
o que não quero revelar.
(Vai cansar…)
Seu olhar, fixo em mim,
eu finjo não perceber.
Ele se finge casual…
Mas não é!"
 
 
 M.Q.
.
"Memórias desaparecendo como uma camada de neve derretida em semanas de idade.
A faca mais afiada que existiu, ou existe.
Os corações humanos nunca são claros. 
Incompreensíveis
Perseguimos fantasmas que desaparecem rapidamente.
Bem, eu persigo."



.

"Não fui, na infância, como os outros
e nunca vi como outros viam.
Minhas paixões eu não podia
tirar de fonte igual à deles;
e era outra a origem da tristeza,
e era outro o canto, que acordava
o coração para a alegria.

Tudo o que amei, amei sozinho.
Assim, na minha infância, na alba
da tormentosa vida, ergueu-se,
no bem, no mal, de cada abismo,
a encadear-me, o meu mistério.

Veio dos rios, veio da fonte,
da rubra escarpa da montanha,
do sol, que todo me envolvia
em outonais clarões dourados;
e dos relâmpagos vermelhos
que o céu inteiro incendiavam;
e do trovão, da tempestade,
daquela nuvem que se alteava,
só, no amplo azul do céu puríssimo,
como um demônio, ante meus olhos."


Edgar Allan Poe



.